Crash Bandicoot 4: It’s About Time | Promove o retorno de um personagem em nome da nostalgia sem perder a identidade

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Categoria: Review

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Falar em jogos eletrônicos e consoles sem citar as grandes marcas que construíram uma geração é deixar de fora um elemento importante dessa equação de sucesso que abriu as portas para que a diversão digital alcançasse uma sofisticada tecnologia e permitisse um alto grau de envolvimento dos jogadores.

A partir dos anos 90, os consoles de mesa se estabeleceram no mercado e iniciaram uma forte disputa entre as gigantes do mercado pela preferência do público.

Candidato a Mascote

Inicialmente criado como um entretenimento de nicho específico, os jogos eletrônicos faziam parte da rotina de frequentadores de pubs europeus como mais uma forma de atração para as bebidas e socialização de jovens estudantes.Com a popularização dos pixels que se moviam nas telas e contavam histórias inusitadas, os games começam a se tornar uma indústria poderosa que encantava um número maior de pessoas e sendo um produto para a família e, posteriormente, um item quase que exclusivo do universo masculino. Nesta perspectiva, a sociedade gamer se firma a partir da consolidação das empresas desenvolvedoras que imprimiam em seus produtos suas ideologias e definem toda uma forma especial de se jogar e consumir vídeo games.

Cada empresa dispunha de uma tática que enaltecia seu nome e impunha seu ponto de vista na busca por mais consumidores. Uma das táticas de “guerra” mais eficientes nesse segmento durante esse período foi a criação de mascotes, ou seja, um personagem exclusivo e carismático que sustentaria o nome e a ideologia da empresa se tornando um símbolo de representação que resumiria tudo o que uma companhia tem a oferecer.

Enquanto a Nintendo e a Sega travavam uma briga épica tendo como seus principais soldados o encanador Mário e o ouriço descolado Sonic, a Sony secretamente firmava um acordo de exclusividade com a japonesa centenária em busca de um produto de sucesso. Após um desacordo entre as empresas, a Sony opta por seguir seu próprio caminho ingressando na emergente indústria de jogos criando seu console Playstation. Idealizado por Ken Kutaragi, a plataforma trazia muito mais vantagens em relação às concorrentes se mostrando como um vídeo game superior. O design arrojado, mídias em CD, processamento veloz com base em 32 bits de potência e uma grade biblioteca de jogos exclusivos fizeram do primeiro Playstation um sucesso imediato consolidando a marca rapidamente no mercado varejista.

Lançado no ano de 1994 no Japão e em 1995 no resto do mundo, o console da Sony contava com investimento maciço em campanhas de marketing para ultrapassar a Nintendo e a Sega e, nesse sentido, começou a cogitar a ideia de também ter um mascote que representasse a inovação e superioridade que a plataforma trazia.

Um ano após o lançamento do vídeo game, a Naughty Dog entrega uma produção exclusiva do gênero plataforma que se tornaria um dos maiores títulos do Playstation: Crash Bandicoot. Em linhas gerais, o jogo trazia como protagonista uma espécie de marsupial bípede de calça jeans, de perfil engraçado, bobalhão e muito simpático que conquistou o coração de muitos jogadores. Com o sucesso instantâneo de Crash, os fãs do Playstation elevaram o personagem para o status de mascote mesmo que a Sony não encarasse o protagonista de sua nova série dessa forma.

Em 1998, Crash Bandicoot completava uma trilogia enquanto a Nintendo trilhava seu próprio sucesso com o Nintendo 64 e com um dos maiores títulos da história: The Legend of Zelda Ocarina of Time batendo de frente com a Sony pelo gosto dos jogadores. Em contrapartida, a Sega enfrentava dificuldades com o lançamento do Dreamcast e, após um ano fiscal em baixa, a empresa do Sonic deixa o mercado de hardware e passa a se dedicar somente aos jogos privilegiando suas aclamadas franquias.

Durante o período de vigência do primeiro Playstation, Crash Bandicoot sustentou o nome do vídeo game e da Sony em diversos eventos e campanhas de divulgação como um símbolo máximo representando toda a inovação que o vídeo game trazia e que não poderia ser encontrada em outro sistema. Diversas vezes o candidato a mascote da Sony figurou ao lado de Super Mário, Sonic, e até Halo depois que a Microsoft entrou para esse segmento. Após o crescimento da família Playstation, e com a mudança na forma de se jogar vídeo games, o gênero plataforma começa a perder força para as partidas on-line em casa bem como para as novas formas de se fazer narrativas em um jogo eletrônico. Dessa forma, Crash Bandicoot não recebeu mais nenhum título, porém continua como um personagem querido que, para muitos jogadores, sempre será o mascote eterno da empresa que o concebeu.

Já estava na hora: a técnica e a nostalgia a favor da diversão

Crash Bandicoot 4: It’s about time é o quarto episódio da franquia lançada depois de vinte e dois anos de ansiosa espera. Desenvolvido pela Activision, o jogo tem por objetivo resgatar toda a dinâmica, mecânica e alto astral que o consagraram como um game de peso para o Playstation. Lançado como gênero plataforma dos mais tradicionais, todas as fases e ações propostas assumem um tom de homenagem e respeito por parte do estúdio desenvolvedor destacando o que esse tipo de jogo tem de melhor.

Enquanto os outros três títulos de Crash Bandicoot foram entregues ao público em um cenário de competição entre empresas de jogos eletrônicos, o game de 2020 deixa as rixas de lado e promove uma experiência agradável enaltecendo propriedades técnicas e de gameplay. Com uma proposta de desenvolvimento muito particular, a Activision reúne em Crash 4 elementos de jogo que moldaram a arquitetura dos games nos anos 90 com referências pontuais e outras de caráter sutil quase como uma parte do fator da jogabilidade. Apresentando o personagem Crash como um protagonista consagrado, é possível afirmar que toda a essência do jogo é trazer de volta o gênero plataforma de maneira eficiente e resgatando um estilo já considerado um pouco ultrapassado.

Crash Bandicoot 4 é um game que se destaca pela coesão entre elementos formais como visual, jogabilidade e trilha sonora alinhado a um forte filtro de nostalgia que oferece vida ao título e completa a experiência a partir de fatores de caráter pessoal como as memórias particulares. Os jogadores vão se lembrar de determinadas fases ou da forma como passavam obstáculos ao mesmo tempo que irão tentar aplicar suas vivências aos novos desafios fazendo com que a diversão seja completa e estimulante. Essa união entre estes dois fatores faz com o jogo da Activision seja um game obrigatório nas prateleiras dos gamers mais aficionados.

Enquanto o querido Bandicoot vive tranquilamente uma pacata vida no seu sofá ao lado de uma TV e geladeira, Neo Cortex e N, Tropy planejam uma forma de conquistar o mundo abrindo dimensões paralelas no universo e para além dele. Ao perceber o perigo dessa nova empreitada dos vilões, Crash e Coco vão em busca de quatros máscaras de poder que contribuirão para colocar ordem na bagunça. Durante os caminhos da aventura, Crash se beneficiará dos poderes quânticos promovidos pelas máscaras que o ajudará a superar dificuldades para destruir os planos megalomaníacos dos antagonistas.

Em termos visuais, Crash Bandicoot 4 entrega uma produção colorida, viva e com uma definição de imagem adequada à proposta. Todos os elementos gráficos foram desenvolvidos com muita delicadeza e respeito em relação à trilogia original com direito a grandes florestas tropicais, desertos ensolarados, cavernas misteriosas e uma série de ambientes diversos que mantém toda a identidade da franquia.

Apesar de não ter sido produzido pela Naughty Dog, a equipe da Activision conseguiu criar a atmosfera do querido marsupial da Sony e, através da construção dos cenários e dos puzzles, deixa claro para o público, e para a empresa responsável pelas aventuras de Nathan Drake, que o jogo não é sua propriedade e, por isso, merece todo o cuidado e dedicação que um título famoso e tão esperado merece. É comum que equipes que assumem produções de outras autorias desenvolvam elementos técnicos e narrativos de acordo com suas filosofias. Entretanto, o estúdio não só manteve o estilo de plataforma como também aproveitou da melhor forma possível elementos de outros jogos de sucesso como Donkey Kong Country e Banjo e Kazooie.

Apesar de manter o padrão estético dos jogos de mais de vinte anos atrás, a Activision usou o melhor do processamento do PS4 entregando um visual nítido, de alta resolução que parecendo uma pintura de aquarela em algumas fases, esbanja beleza, diversidade e constrói sutilmente uma identidade própria. O quarto jogo de Crash Bandicoot é bonito de se ver e resgata a atmosfera criada anteriormente ao mesmo tempo que é atualizada para padrões da atualidade à sua própria moda.

A trilha sonora do jogo não é sua principal característica e tem como intuito colaborar para a construção de um título divertido e descolado, e que oferece algum nível de dificuldade. As músicas das fases são animadas mesmo em momentos mais decisivos como os chefes e lembram fortemente a trilha de um desenho animado onde o mais importante é a diversão. O visual colorido se alinha às músicas formando um pacote técnico que traduz toda intenção do game, porém são faixas que funcionam neste contexto particular e não constituem músicas que ficarão na cabeça dos jogadores.

Um aspecto sonoro que merece destaque é a dublagem em português que está bem trabalhada e no nível de um longa de animação. As vozes são nítidas, bem interpretadas e definem bem cada um dos personagens em sua própria personalidade. Neo Córtex e N. Tropy soam como vilões inocentes cuja maldade não ultrapassa o próprio mundo enquanto as máscaras de poder refletem seus comportamentos pelo tom de voz indo do mais inseguro ao mais decidido.

Coco é a personagem delicada que não foge de uma boa aventura e sua postura e dublagem mostram esse perfil através de uma intepretação adequada que constrói a protagonista feminina de forma responsável. Tawna é durona e decidia trabalhando sozinha em busca de seus objetivos e a voz atribuída à personagem revela uma garota com muito estilo e atitude sendo uma personagem de história exclusiva. Em relação ao protagonista, Crash não enuncia nenhuma palavra durante o jogo, mas esse fato não faz dele um personagem deslocado. Sua identidade é construída através das atitudes, do perfil e da simpatia que são transmitidos também pelas risadas e grunhidos emitidos que fazem com que os jogadores construam uma voz original para o personagem, o que não deixa de ser um trabalho na parte sonora já que induz a um pensamento de base auditiva.

Crashetado por aí: a precisão e a diversidade dos movimentos

O fator de maior destaque de Crash Bandicoot 4 é a jogabilidade que se manifesta de diferentes maneiras para construir o gênero plataforma. Desde a arquitetura dos puzzles, a mecânica dos chefes até as fases bônus, todos os comandos do jogo possuem alta organização e eficiência no funcionamento permitindo que o maior desafio seja o treino que o jogador irá realizar para aprender a passar pelas fases com melhor desempenho.

A ideia básica da jogabilidade consiste em atravessar espaços com pulos, coletar frutas e outros itens no caminho, destruir caixas, derrotar inimigos com golpes e todos os comandos habituais desse tipo de jogo. Entretanto, a forma como os estágios se organizam exigem de quem joga cada vez mais habilidade para dominar os controles que vão se revelando ao longo da narrativa e aumentando progressivamente a dificuldade.

O jogo oferece um sistema de recompensas para cada ação que é completada em cada fase e essas ações vão ganhando complexidade conforme se avança fazendo com que as famosas repetições de estágios sejam uma realidade constante. Entre as ações recomendadas estão destruir todas a caixas de um estágio, encontrar uma joia escondida, coletar todas as frutas disponíveis e terminar a fase em no máximo três tentativas. Completando algumas ou todas as ações, o jogador recebe um diamante que na quantidade correta pode ser trocado por novos visuais para Crash e Coco.

No entanto, a tarefa de executar ações específicas não será fácil e vai exigir persistência logo de início com desafios que só poderão ser liberados posteriormente. Ao longo das fases, vale os famosos esquemas de observação dos anos 90 percebendo como cada plataforma se move, como cada inimigo ataca e quando é momento de fazer um pulo certeiro. Crash tem a disposição diversos saltos e ataques que deverão ser utilizados cuidadosamente para superar uma armadilha. Treinar os pulos será um elemento chave para sobreviver ao mesmo tempo em que os poderes das máscaras agregam novas formas de se avançar que deverão ser dominadas para chegar ao final.

Como complemento da variedade de fases e estratégias, fases bônus são encontradas pelos mapas e trazem mais dinâmica para um jogo de estilo pontual. As fases da personagem Tawna seguem o mesmo modelo de fases de Crash, mas tem respostas do controle diferenciadas uma vez que Tawna é mais pesada que outros personagens, ataca com chutes e se beneficia de um gancho que a transporta para localidades mais distantes além de recolher itens a distância. Essas fases extras contam como a personagem chegou até Crash e Coco de forma interessante e bem integrada à narrativa principal.
Em todas as fases é possível encontrar um tele transporte que leva Crash para um estágio especial onde é possível destruir mais caixas e coletar mais frutas sendo estes itens somados ao total geral contribuindo para a obtenção de diamantes e, consequentemente, dos 100% (ou 106%) típicos de jogos de plataforma.

Retomando o apelo dos anos 90 e o saudoso PS1, fitas VHS podem ser encontradas dependendo do número de tentativas que o jogador utilizou para completar um estágio. Quando coletadas, elas disponibilizam fases especiais em 2D em formato de gravação analógica em que o desafio constitui em pular de caixa em caixa para chegar ao fim calculando com precisão os pulos e os caminhos certos para que o destino do personagem não seja o conhecido buraco infinito que consome uma vida.
Os chefes do jogo são imponentes e seguem um padrão de ataque que deve ser descoberto pelo jogador para ser possível vencê-los. Entre as mais diversas formas de manifestação, o estilo de ataque segue o formato que lembra Sonic the Hedgehog em que o chefe ataca por partes sendo que o próximo ataque é sempre mais efetivo que o anterior e os movimentos sempre mais rápidos. O desafio é descobrir como se aproximar e prever o padrão para antecipar os movimentos e garantir a vitória. Assim como as fases, os chefes aumentam de dificuldade gradualmente e vão entregando mais desafio quando o jogo se aproxima do final.

Priorizando um gênero que foi amplamente explorados anos atrás, Crash Bandicoot 4: it’s about time preza pela repetição e aprendizado das fases em que os jogadores deverão insistir nos pulos e desafios não só para terminar os estágios como também para obter todas as recompensas. Apesar de permitir somente três tentativas, haverá pontos do mapa em que as falhas em driblar inimigos ou acertar o caminho serão frequentes exigindo uma média de dez vidas para se ter sucesso, o que aumenta o fator replay dentro da realidade desse tipo de jogo.

Estilo de jogo e linearidade

Em termos técnicos, Crash Bandicoot 4 alinha todos os fatores essenciais de um jogo de plataforma para promover a melhor experiência de pular e vencer obstáculos pelas fases disponíveis. Neste sentido, a Activision não economizou esforços e fez uma leitura apurada dos games originais para que o quarto episódio não se distanciasse dos anteriores e desse continuidade ao personagem.
Entretanto, vale destacar que enquanto o gênero plataforma pode ser bem desenvolvido em nome de uma franquia de sucesso e do saudosismo, ao mesmo tempo também é seu fator limitante uma vez que o estilo de jogo é considerado desgastado e se afasta das propostas realistas e fortemente amparados na narrativa.

O enredo do título é simples como o de um desenho animado e destaca mais seus personagens do que momentos de maior impacto da história. Considerando toda a identidade de Crash Bandicoot, é possível afirmar que o desenrolar dos fatos atende a proposta de um jogo deste estilo cujo objetivo é acompanhar uma aventura quase descompromissada. O fator limitante está na própria natureza do jogo que, através de uma arquitetura baseada em pulos e obstáculos, se torna repetitiva tendo no aumento progressivo da dificuldade a aparição do fator replay.

Apesar de estimular o jogador com novas habilidades e exigindo treino para se obter o máximo de cada fase, a ideia principal de um estilo de plataforma acaba sendo cansativa em alguns momentos uma vez que não há mais grandes novidades no decorrer dos mapas. Mesmo sendo uma estrutura própria desse tipo de jogo, algumas intervenções sutis poderiam ter ser pensadas para as dinâmicas das fases com o intuito de aproximar o game da realidade dos títulos atuais sem perder a identidade que o consagrou. É importante destacar que essa “limitação” vem da natureza do gênero e não diz respeito à forma como a desenvolvedora programou o jogo. O estilo plataforma não foi reinventado como os demais e necessita de uma atualização de ideias paras se adequar aos padrões de jogos do momento.

Veredito

Crash Bandicoot 4: it’s About Time é um resgate às raízes de uma franquia de sucesso desenvolvida de maneira lúcida e respeitando a identidade do personagem criado pela Naughty Dog. Alinhando a precisão da técnica com o fator da nostalgia, o título da Activision oferece muita diversão dentro da realidade de um gênero que não faz parte da estrutura de grandes jogos de sucesso da atualidade.

Produzido com respeito, dedicação e qualidade, Crash Bandicoot faz seu retorno de forma efetiva celebrando e representando o nome da Sony tal como fez nos anos 90 quando recebia a patente de mascote de uma empresa forte e genuína.

Nota: 9,0

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